quinta-feira, 13 de maio de 2010

POR UMA CIDADE MELHOR

Por Darci Bergmann (Texto enviado à ACISB em 19-07-2005 pela ASPAN)

Para que uma cidade seja agradável para viver deve-se optar por um modelo de sustentabilidade. Isto não é definido pelo tamanho da sua população ou pela quantidade de prédios. O crescimento desordenado, muitas vezes confundido com progresso, deforma as cidades, tornando-as violentas, não prazeirosas, enfim, sem qualidade de vida.

Quando uma pessoa não consegue sequer se mover sobre um passeio público porque está atravancado de bugigangas de comerciantes - camelôs ou estabelecidos - não há respeito aos cidadãos.

Quando carros de som, a título de publicidade de empresas e eventos, invadem a privacidade dos cidadãos, impedindo-os de terem sossego junto a seus familiares, não há qualidade de vida. Nos últimos meses a balbúrdia é tal que as geringonças barulhentas se cruzam às dezenas nas ruas e bairros, sequer respeitando casas de saúde, escolas e o trabalho dos outros. Fosse na Europa, Japão ou Estados Unidos, haveria o boicote organizado pelas pessoas atingidas por tais abusos.

Não se trata apenas de cumprir a lei. Sabemos que o aparato para fazê-las valer é precário. A questão é definir um modelo que surja da comunidade, tomando como base o respeito à Vida.

Isso inclui, também, melhoria da arborização urbana. Significa dar valor à cada árvore, não financeiro, mas sim pelo que representa em termos de sombra, oxigenação, retenção de carbono, embelezamento e outros benefícios. Infelizmente ainda há quem as enxergue como um estorvo ao visual de sua empresa ou a utilize como mero cabide, enchendo-a de penduricalhos.

A poluição visual tem descaracterizado cidades antes lindas. Painéis mal postados ofuscam a paisagem. Lembremos a balbúrdia visual que já foi o entorno do trevo de acesso à cidade, próximo à Polícia Rodoviária Federal. Pelo menos ali, por ora, imperou o bom senso. Foram retirados os horrorosos paredões. Vamos permitir que retorne essa poluição visual travestida de publicidade?

Preocupante, também, a questão dos resíduos gerados por pessoas e empresas. A distribuição do manual RECICLANDO O LIXO, ajudou a reduzir em várias toneladas/dia a quantidade de lixo recolhida na cidade pela empresa concessionária. Parte da população já separa os resíduos em lixo seco e orgânico. Coisas tão simples, mas que são fundamentais, até porque geram renda a muitas pessoas. Se mais gente e empresas participarem desse processo, a cidade, como um todo, será melhorada.

A ACISB tem liderança e estrutura para se engajar nas questões acima referidas. A ASPAN tem em seus quadros pessoas habilitadas para apoiarem e darem suporte técnico com palestras e reuniões, se necessário.

A questão tributária também se vincula com a qualidade de vida. Com ela pode-se tributar mais quem polui mais. Quem gera mais resíduos deve arcar com os custos decorrentes. Da mesma forma, a redução da carga tributária pode estimular a preservação ambiental, de várias maneiras. Onerar menos as áreas verdes ainda remanescentes, incentivar processos, serviços e produtos que gastem menos energia e água são instrumentos que devem constar em qualquer administração pública séria e preocupada com a qualidade de vida.

A carga tributária se torna um fardo pesado à sociedade quando mal aplicados os recursos por ela gerados. E a má fama do poder público, do Município à União, em esbanjá-los, por incompetência e outros descaminhos, é por todos conhecida. Isto gera revolta e a negativa consciente de muitos cidadãos em repassar, via impostos e taxas, recursos que fazem falta às suas empresas ou à sobrevivência. Outras vezes a generalização do tributo cria mazelas e injustiças que não são percebidas pela burocracia legalista.

Temos registrados casos de pessoas pobres que adquiriram, em prestações, terrenos para a construção futura de suas moradias. Depois, aos poucos, foram comprando material de construção para um dia iniciarem as obras. Em casos assim, por imprevistos da vida, como perda de emprego, doenças e outros essas pessoas não conseguiram mais pagar o ITU de 3% sobre o valor do terreno baldio, nem a taxa de lixo. A Prefeitura simplesmente colocou-os no rol de inadimplentes com todas as implicações decorrentes. Alguns venderam os seus terrenos para pagar o erário público. Até hoje não se viu um administrador do Município propor uma mudança na legislação tributária, visando corrigir tal distorção. Um terreno não edificado, o único imóvel de um cidadão que algum dia deseja construir a sua moradia, não deveria ser visto como especulação. Mas assim o é. Por outro lado, grandes conglomerados são beneficiados com doação de áreas, isenção tributária até por décadas, tudo em função de atrair empresas para geração de empregos. Nada contra incentivos fiscais, desde que promovam a justiça social, dando a mesma oportunidade a todos.

Em 1995 houve uma ação civil pública contra a cobrança de diversas taxas - serviços urbanos, calamidade pública, lixo - agregadas no carnê do IPTU. Acuada e denunciada pela cobrança de taxas imensuráveis e sem critérios justos, a Prefeitura Municipal de São Borja mudou a estratégia e a tática. Os burocratas resolveram, então, montar uma nova proposta, sem discuti-la com a comunidade

Em 1998, foi instituído aditivo na lei tributária em que a taxa de lixo é cobrada em função da testada do terreno, tenha nele moradia ou não. A maquiagem da proposta seduziu os vereadores da época, que não se aperceberam das distorções contidas no texto. Não se levou em conta a quantidade de lixo efetivamente produzida. Essa legislação absurda atenta contra o modo de vida ecologicamente sustentável. Ela não estimula a redução, reutilização ou reciclagem dos resíduos. E o tratamento às pessoas é desigual. Assim, quem mora em apartamento de luxo vai pagar taxa de lixo sobre uma parcela da testada do imóvel, mesmo que produza mais lixo do que alguém que more em terreno com área verde e que faz, por exemplo, a compostagem dos resíduos orgânicos. As pessoas deveriam ser estimuladas a arborizarem os seus terrenos, fazerem pomares e hortas ou ajardiná-los e nesse processo utilizarem o adubo orgânico proveniente dos restos de cozinha e dos pátios. Isto sendo feito em área particular, melhora as condições ambientais para todos. As plantas retêm o carbono, diminuem o calor e aumentam a recarga dos mananciais de águas subterrâneas. Muitas pessoas já fazem isso. Mas, ao invés de estímulo, são penalizadas pela cobrança da taxa de lixo incidente sobre a testada do terreno. Essa taxa é um estelionato ambiental e uma extorsão tributária

No referente à taxa de lixo, estamos na contramão das nações mais desenvolvidas. Lá quem produz mais resíduos paga mais. Até fabricantes de produtos descartáveis são desestimulados com tributos maiores. Com isso obrigam-se a repensar os seus produtos e processos produtivos. Aqui em São Borja, quem produz mais lixo é beneficiado pela Prefeitura. Até foi estabelecida coleta diária num bairro de classe média. Na cidade de São Paulo a taxa leva em conta a quantidade de lixo produzida. Alegam os burocratas dificuldades para medir as quantidades de lixo por domicílio. É possível estabelecer uma média, próxima do real, fazendo-se, por exemplo, o cálculo por habitante. Pode-se, até levar em conta o padrão sócio-econômico do morador, monitorando, por amostragem, o lixo em zonas específicas da cidade. Aqui a referência é ao lixo domiciliar, não se levando em conta entulhos, resíduos laboratoriais, hospitalares, de indústria, comércio e outros. Nestes casos, a fonte produtora é responsável pelo destino adequado de tais resíduos. Nem todos os geradores de resíduos especiais cumprem a legislação para esses casos. Começando pela Prefeitura.

Fazendo um paralelo com o consumo de água, em alguns condomínios a taxa é cobrada sobre o consumo total dividido pelo número de moradias. Isto tem provocado consumo excessivo, pois sempre há quem esbanje o precioso líquido. Quem consome água moderadamente paga por aquele que a esbanja. Esse sistema está sendo substituído nesses condomínios, pois não é justo cobrar taxas iguais para consumos diferentes. Não seria assim com a taxa de lixo?

Essas distorções tributárias fornecem motivos a que muitos potenciais contribuintes se neguem a pagar taxas legais, mas imorais e inconstitucionais. A tal ponto que em São Borja, houve época em que, num universo de quinze mil contribuintes, em torno de dez mil estavam inadimplentes. Seria por mero acaso? Ocorreram casos em que pessoas queriam pagar o IPTU, mas não conseguiram, pois no carnê estava agregado o valor alto da taxa de lixo. Esta é outra distorção imposta pela burocracia tributária. O IPTU tem natureza diferente da taxa de lixo. Mas a cobrança é casada e não se dá a opção de pagamento só do imposto. Assim, muitos que poderiam pagar o IPTU ficam inadimplentes, inscritos no CDA - Cadastro de Dívida Ativa. Perde o Município e perde o cidadão com abalo de crédito, infernizando-lhe a vida.

Quando da implantação da famigerada taxa de lixo conforme a testada do terreno, moradores e entidades como a ASPAN protestaram. Vários contribuintes pagaram o IPTU, desvinculando-o da taxa de lixo. Foram feitos depósitos na conta consignatória em nome da Prefeitura Municipal de São Borja, no Banco do Brasil. Em alguns casos, os contribuintes foram notificados pela PMSB de que esta não havia aceitado o depósito. No entanto, o dinheiro depositado nessa conta foi sacado pela PMSB, ficando, assim, quitado o IPTU. Por informação de um ex secretário municipal da Fazenda, ficamos sabendo que a PMSB tinha em seus recursos orçamentários uma rubrica de receitas não identificadas, com centenas de milhares de reais. Fica evidente que o erário público recebeu e utilizou as quantias depositadas, mas taxou de inadimplentes os que não concordaram com a cobrança casada do IPTU com a extorsiva e imoral taxa de lixo. Alguns contribuintes fizeram acordos, pressionados que foram e com as ameaças de seus nomes constarem nos cadastros nacionais de inadimplentes, o que lhes traria abalo de crédito. A inquisição tributária, com base em dispositivos imorais e de insustentabilidade ambiental, agora também fazia vítimas pelos danos morais que causou. Muitas pessoas, tementes de represálias, desistiram de lutar pelos seus direitos. A ASPAN, que também luta pelos interesses difusos da sociedade, diante da desistência de muitos que haviam procurado a entidade para uma ação coordenada da questão, decidiu por aguardar os fatos futuros. Mais uma administração assumiu e foi mencionada a possibilidade de uma reforma tributária ampla, a nível municipal, corrigindo-se as aberrações jurídicas já apontadas e outras mais. Foi citado até o Código de Posturas do Município, de 1970, que prevê a cobrança de uma taxa de lixo, por domicílio, no limite de 25 litros/dia. Naquela época, pelo menos, já se falava em quantificar o lixo. Por sugestão de uma Conferência Municipal de Meio Ambiente o assunto voltou à tona. Em 2004 uma comissão do Poder Executivo foi designada para propor uma reforma do Código de Posturas e outra seria designada para propor reformas no Código Tributário. A primeira Comissão, após meses de trabalho, chegou a produzir um texto quase completo de um anteprojeto enxuto e atualizado de um novo Código de Posturas que seria depois analisado pelo setor jurídico da PMSB. A segunda comissão sequer foi designada. Cogitou-se, então, a PMSB enviar uma proposta específica à Câmara de Vereadores, contendo reparos nas distorções da taxa de lixo. Também isso não foi efetivado. Por ser um ano eleitoral, tudo ficou na estaca zero.

Em função da burocracia imperante e diante da irresponsabilidade ambiental de algumas pessoas e empresas que, escudadas por dispositivos legais absurdos, produzem resíduos de forma abusiva e quase nada pagam por isso, a ASPAN retoma o assunto e se mobiliza para encaminhá-lo ao Ministério Público Estadual. De lembrar que a entidade, nas muitas palestras que faz sobre meio ambiente, tem tratado a questão do lixo em especial. Fala-se tanto no avanço da legislação ambiental e somos obrigados a conviver com excrescências jurídicas a nível local. Não condenamos a desatenção dos então vereadores que aprovaram a matéria ora vigente. Equívocos ocorrem. Mas não é possível continuarmos na contramão da responsabilidade ambiental, quando se ampara o produtor de resíduos sem lhe impor limites.

Não se alegue aqui que parte dos recursos da taxa de lixo são utilizados para limpeza pública - capinas, varredura de praças, etc. Para isso já se paga o IPTU. Nesse tocante, também tem distorções, pois há um quadrilátero na área central da cidade onde a concessionária privilegia os moradores com limpezas diárias. Nas vilas e bairros periféricos as limpezas são ocasionais e ocorrem, quase sempre, quando os moradores já tomaram a iniciativa de faze-la, o que é louvável. Portanto, a taxa de lixo deve referir-se à cobrança pela coleta do resíduo domiciliar quantificado. Paga menos quem produz menos lixo. Paga mais quem produz mais lixo. Com esse foco muitas pessoas serão levadas a produzir menos lixo, reduzindo os custos do recolhimento e reduzindo espaço físico nos aterros sanitários.