HISTÓRICO

A CONSCIÊNCIA AMBIENTAL EM SÃO BORJA

EVOLUÇÃO HISTÓRICA



1)- ANTECEDENTES

Em qualquer época da história humana, certamente sempre houveram pessoas mais sensíveis às questões ambientais. Com ou sem conhecimento dito científico, observando ou concluindo até pela intuição ou motivados pelas crenças, algumas sociedades ou indivíduos promoveram o respeito à Natureza. Por outro lado, o aumento vertiginoso da população humana e a utilização dos bens naturais para a sua satisfação, fez com que a degradação ambiental aumentasse em níveis alarmantes. A tecnologia gerada pelo conhecimento tem duplo efeito conforme a sua utilização. Assim, programas concebidos por uma visão unilateral, mercadológica, podem resultar em desequilíbrio, nesse mundo globalizado.

Talvez tenha sido assim com a chamada Revolução Verde. Concebida nos anos 60 do século passado, pretendia a produção maciça de alimentos com o uso dos “insumos modernos”, como agrotóxicos, adubos químicos, sementes híbridas e máquinas. Esses ingredientes, mais o crédito rural e assistência técnica por profissionais habilitados, deveriam eliminar a escassez de alimentos prevista no planeta.



2)- IMPACTOS LOCAIS

A agricultura tradicional sofreu um tremendo impacto. Também o meio ambiente. Criou-se uma dependência dos produtores. O alimento passou a ser matéria prima cotada nas bolsas. Alguns se adaptaram às novas regras, outros sucumbiram. As máquinas expulsaram trabalhadores do campo, engrossando as favelas e aumentado o êxodo rural. As cidades incharam ràpidamente nas últimas décadas.

O meio ambiente foi afetado com o aumento da erosão do solo, desmatamento, drenagem de banhados, resíduos químicos. As pessoas foram afetadas igualmente, ocorrendo milhares de casos de intoxicação. Até hoje não se sabe o quanto a saúde foi prejudicada, pois as conseqüências do uso maciço de venenos agrícolas, ainda não foram totalmente avaliadas.

Contrapondo-se ao modelo da Revolução Verde, nos moldes apregoados, surgiram vozes discordantes no cenário mundial, inclusive de técnicos renomados de um dos setores que amealhava lucros, como a de agroquímica. Em 1970, retorna ao Brasil o engenheiro agrônomo José Antonio Lutzenberger, egresso de uma multinacional. Trabalhou em vários países do mundo e foi testemunha da degradação ambiental provocada pela “Revolução Verde”. Lutzenberger começou a proferir palestras nos meios acadêmicos e fora deles. Em 1971 lidera um grupo de pessoas preocupadas com a questão ambiental e é fundada a AGAPAN (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural). Começa uma nova fase no movimento ambientalista. A AGAPAN inspira a criação de congêneres pelo Estado e pelo País. O movimento, apesar das campanhas para desmoralizá-lo, alastra-se e consegue sensibilizar uma parcela da sociedade e até alguns políticos. As novas leis ambientais começam a refletir essa realidade e em 1988, o texto constitucional federal incorpora de forma clara a preocupação no setor.


3)- INFLUÊNCIAS LOCAIS

Lutzenberger e a AGAPAN influem nas ações que seriam desenvolvidas em São Borja. Nos primeiros contatos feitos em Santa Maria, na UFSM, em 1972 e depois como associado da AGAPAN, o Engº Agrº Darci Bergmann, radicado em São Borja desde 1974, decide pela busca de modelos alternativos aos propostos pelos ideários da “revolução verde”. Como José Antônio Lutzenberger, Darci Bergmann também teve passagem por uma multinacional de agrotóxicos, trabalhou como revendedor e utilizou a aviação agrícola. Buscava produtos mais amenos para o controle de pragas e doenças.

Mas isso só não bastava. A questão era mais abrangente. Começa então a articular contatos com pessoas sensíveis à causa ambiental local e regional.

Em 1976, Darci Bergmann elege-se vereador e direciona seu mandato principalmente para a questão ambiental. Muitos projetos de lei são propostos e aprovados a partir de então. Como a lei que criou a árvore símbolo do Município (lei nº1.022, de 26 de Setembro de 1980). Como profissional da Agronomia apóia a luta pela proibição dos agrotóxicos organo-clorados. Participa de congressos e faz proposições. Organiza encontros de interesse ambiental e conservacionista. Reúne um grupo de interessados e traça uma estratégia para a implementação de ações em setores da comunidade. São realizadas campanhas e palestras de interesse ambiental. O cenário não era muito favorável e havia desconfiança de alguns setores em relação às idéias que Darci Bergmann e alguns simpatizantes manifestavam. São Borja colhia os lucros da expansão do modelo agrícola da “revolução verde”. Era a capital da produção com área expressiva de soja (mais de 100 mil Ha), trigo quase 120 mil Ha, arroz(40 mil Ha), pecuária bovina com mais de 300 mil cabeças, ovinos 160 mil cabeças. O crédito vinha fácil e os venenos também, engordando as contas dos fabricantes e revendas locais. As matas ciliares dos rios Butuí, Icamaquã, Urucutaí, Arroio da Estiva, Arroio Santa Luzia e do próprio rio Uruguai sofreram um duro impacto. A Reserva Biológica de São Donato, criada por decreto estadual nº 23.798, em 12/03/1975, o Banhado Grande e outros próximos ao rio Butuí, sucumbem à ação das dragas nos projetos do Pró-várzeas.

A luta pela implantação efetiva da Reserva Biológica de São Donato torna-se um capítulo especial na história ambiental da região. De um lado uns poucos a ter consciência da sua importância, de outro o poder econômico e a visão imediatista, inclusive com o sistema financeiro a bancar a degradação ambiental.

A situação urbana de São Borja, com pouca arborização nas vias e logradouros públicas e mesmo em áreas particulares, reflete-se nas ações que seriam iniciadas.

Em 1977 em carta dirigida a O Jornal, um periódico local, Darci Bergmann expõe a sua preocupação no tocante à falta de arborização na cidade e atos de vandalismo contra o pouco verde público. Em parceria com O JORNAL, começa então uma campanha chamada PLANTE UMA VIDA, PLANTE UMA ÁRVORE. O Jornal publicava matérias pertinentes à temática ambiental, com o patrocínio de empresas locais. O Jornal encerrou suas atividades, mas Darci Bergmann tocou o projeto em vários setores da comunidade, como no Centro Nativista Boitatá, onde foi criado o Departamento de Ecologia, depois Departamento Agronômico. De 1978 a 1988, 18 mil mudas de espécies arbóreas nativas foram distribuídas aos freqüentadores do Boitatá, nos bailes da Semana farroupilha. Promoveram-se plantios na sede campestre do Centro Nativista Boitatá e trechos das margens do rio Uruguai.

O Projeto Plante Uma Vida, Plante Uma Árvore é um marco histórico na questão ambiental de São Borja. A partir dele, as ações, ainda que individuais, ganham impulso em várias frentes. Esse projeto foi precursor da futura organização não governamental ambientalista, que seria criada mais tarde por articulação do engenheiro agrônomo Darci Bergmann.

Em 21 de Setembro de 1987 foi fundada a ASPAN - Associação São-borjense de Proteção ao Ambiente Natural, tendo sido Darci Bergmann eleito seu primeiro presidente.

A partir daí, o movimento ambientalista, então formalizado, incorporou as estratégias do Projeto Plante uma Vida, Plante Uma Árvore. Outros projetos foram sendo executados, de forma voluntária pelos integrantes da ASPAN. Surgiram outras organizações a partir de associados da ASPAN e com o apoio desta. È o caso da organização Comandos em Defesa da Natureza, com o associado Edgar Lucena Schenkel, com ação mais localizada nas margens do Rio Uruguai, na região do Cais do Porto. Também desenvolveu trabalho de educação ambiental especialmente com crianças e adolescentes.

Outro grupo que surgiu com a participação, também, de integrantes da ASPAN foi o CAMPO - Centro de Apoio aos Movimentos Populares, com ações voltadas ao meio ambiente, especialmente no que tange aos direitos difusos.

A ASPAN torna-se uma referência na região. Desenvolve uma ampla campanha junto a vários setores da comunidade, tais como: palestras, passeatas, excursões temáticas, programa radiofônico Viva a Natureza, de 1990 a 2002, pela Rádio Cultura, etc.

No legislativo municipal, além das leis ordinárias, foi chamada a colaborar no texto do capítulo de ecologia da Lei Orgânica do Município, pós constituição federal de 1988. Atuou nas leis do Plano Diretor e posteriormente foi fundamental na elaboração do Plano Ambiental do Município, dentro do Conselho Municipal de Recuperação e Defesa do Meio Ambiente, na época presidido por Darci Bergmann.

Em outra frente, a ASPAN propôs representações junto ao Ministério Público Estadual para estancar ações de impacto ambiental. Uma delas foi proposta em 1989 e se referia ao desmatamento irregular às margens do Rio Icamaquã. Essa ação transformou-se em processo judicial e só terminou em 2001. As ações de desmatamento se reduziram em muito pela grande repercussão do fato na época. Em 1987, outra ação foi impetrada pela ASPAN, no Fórum de Itaqui, contra o Estado do Rio Grande do Sul. Houve sentença condenatória exarada pela Dra Rosmari Girardi em 03/10/1997 condenando o Estado a implantar definitivamente a Reserva Biológica de São Donato. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado. No entanto, a Reserva continua sem ser efetivada diante do descumprimento da decisão judicial. No governo Olívio Dutra, já com a criação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, foram anunciados recursos para essa finalidade, mas depois não consumados na prática. Houve melhoria temporária da fiscalização e até um escritório de apoio com supervisor técnico foi montado em São Borja e desativado meses depois.

Enquanto isso, A ASPAN tocava as suas atividades, sempre com deficiência de recursos financeiros e outros. As parcas contribuições referiam-se aos desembolsos próprios dos seus associados. A entidade não tinha subvenções de órgãos públicos. Houveram momentos de muitos debates internos sobre os rumos que o movimento deveria seguir e também devido aos altos custos para manter um mínimo de atividades. Eram necessários deslocamentos, articulação com entidades congêneres, participação em congressos e qualquer ação ainda que simples resultava em despesas. Esse debate interno fez com que alguns associados abandonassem as fileiras da entidade. Alguns alegavam que diante da grande quantidade de leis ambientais que foram aprovadas nos parlamentos do País não se justificava mais uma organização ambientalista nessa área. O Estado, nas suas esferas de poder, deveria assumir e profissionalizar a questão ambiental. E já tinha instrumentos para isso. Outros alegavam que o esforço voluntário não mais compensava diante da nova realidade. Havia ainda uma ala moderada que alegava que o movimento deveria se limitar a participar de pequenas campanhas, especialmente nas datas alusivas às questões ambientais. Esse grupo não pretendia que a ASPAN se envolvesse em demandas junto ao MP e Poder Judiciário, pois haveria desgaste pessoal nessas ações.

Após um intenso período de ajustamentos internos e de busca de um modelo de gestão dentro da realidade, o movimento se rearticulou mantendo os princípios básicos das suas primeiras campanhas. No entanto, deveria se modernizar na parte administrativa, trabalhando com projetos e buscando a sustentabilidade financeira desses projetos. Já não bastava mais o simples trabalho voluntário desgastante de uns poucos arcarem com recursos numa luta por interesses difusos de toda a sociedade. O Estado, como se sabe, fracassa na questão ambiental. Exige que todos o sustentem com tributos nem sempre bem aplicados. Aplica a lei segundo os seus interesses, mas não é o melhor modelo na gestão ambiental. Administradores existem que gastam mais com publicidade do que com a preservação ambiental. Então se justificam as ONGs ambientalistas, pelo menos como contra-ponto ou até mesmo cobrindo as deficiências do Estado num tema de tamanha importância como é o meio ambiente.

A ASPAN, a partir desses princípios, buscou parceiros e houveram acertos, mas também alguns erros nessa tentativa. Mas há parcerias que deram certo até o momento. A entidade trabalha atualmente com projetos, em atividades cujo ritmo é dado pela disponiblidade de recursos, mas dentro de parâmetros definidos.

Hoje, além de todos os projetos ainda em andamento, como o Plante Uma Vida, Plante Uma Árvore, sem prazo definido, foi sistematizado um conjunto de atividades denominado PROJETO SEMEAR. Esse projeto surgiu em decorrência de recursos oriundos de um Acordo Judicial e outros recursos da própria ASPAN. Suas ações principais se dão em três frentes: Educação ambiental, implantação de um horto florestal, em área de 3,30 Ha e instalação de um viveiro onde são produzidas mudas de espécies florestais nativas.