sábado, 25 de dezembro de 2010

Por Greenpeace

O trator ruralista atolou

Notícia - 17 - dez - 2010
A última tentativa da turma da motosserra de avançar, no Congresso, contra a legislação que protege nossas florestas acabou em fracasso. Mas eles voltarão à carga em 2011

De um lado ONGs ambientalistas, entre elas o Greenpeace, e alguns deputados aliados. Do outro, o grupo de políticos que compõem a bancada da motosserra na Câmara dos Deputados. Os dois lados se enfrentaram novamente ao longo de 2010. A turma da motosserra, sob a complascência do Executivo, mexeu-se nos corredores do Congresso, tentando ficar o mais longe possíve dos olhares dos brasileiros.

A estratégia quase funcionou. Em diversas ocasiões ao longo deste ano, eles estiveram perto de empurrar mais para frente uma proposta que acaba com a noção de florestas como bem público, anistia desmatadores e reduz sensivelmente as faixas de mata em encostas e margens de rios que nos protegem de enchentes e deslizamentos. Mas cada uma das movimentações gerou reações do Greenpeace. E elas produziram o efeito desejado, evitando que 2010 fôsse para a história como o ano em que o Brasil andou para trás na proteção de suas florestas.
O objetivo dos ruralistas era aprovar até o final deste ano um texto que enfraquece o Código Florestal, sem que a sociedade fosse envolvida na discussão. Mas eles falharam. Nesta semana o Greenpeace conduziu uma última manifestação no Congresso e nas redes sociais denunciando a ofensiva. No mesmo dia, era anunciado o fim dos trabalhos da Câmara em 2010. A apreciação do projeto ficou para o ano que vem.  Venceu-se uma batalha. Mas a refrega ainda não terminou.
Há muitos anos os ruralistas tentam acabar com o Código Florestal, principalmente quando ele deixou de ser letra morta e passou a ser aplicado, colocando quem agia na ilegalidade em maus lençóis. No ano passado, a pressão ruralista cresceu e, com a campanha eleitoral, se intensificou em 2010. O Greenpeace sempre trabalhou para não permitir o retrocesso da lei, e não permitir que eleições fossem usadas como trampolim para mudanças que ameacem a saúde das florestas e, por decorrência, do clima.
O neo-ruralismo
A formulação de um projeto de reforma do código foi entregue a Aldo Rebelo (PCdoB-SP), relator de uma comissão especial apinhada de ruralistas. O trabalho de Aldo foi cercado de controvérsias.
A comissão escutou poucos cientistas e quase nenhum representante da sociedade civil durante as ditas consultas públicas. Também contratou a advogada Samanta Pineda para analisar o relatório, paga com dinheiro da verba indenizatória de Aldo e do presidente da comissão especial, Moacir Micheletto (PMDB-PR). Pineda era consultora jurídica da Frente Parlamentar da Agropecuária.
Aldo deu o que falar. Como relator, ele desconsiderou a opinião de pesquisadores da área ambiental e escreveu o projeto de lei com os ouvidos grudados nos interesses do agronegócio. Quando Aldo apresentou sua primeira versão do projeto de lei, a “Folha de S.Paulo” fez uma seleção de pérolas: Aldo dizia que a proteção ambiental é uma invenção dos “estrangeiros” para condenar o Terceiro Mundo à pobreza; pedia a naturalização (?!) da jaca; confundia aquecimento global com buraco na camada de ozônio; e disparava contra os países ricos pelos cruéis “mecanismos de desenvolvimento limpo”, ignorando que eles são uma invenção brasileira.
Reação
As ONGs, além de deputados preocupados com a saúde das florestas, agiram contra as mudanças propostas com ações pacíficas e a divulgação da bandalheira que corria solta nos corredores da Câmara.
Com a WWF e a SOS Mata Atlântica, o Greenpeace organizou um seminário para debater as propostas da comissão. O resultado foi uma enxurrada de argumentos e pesquisas de especialistas, que mostraram como o Brasil não precisa desmatar para expandir suas fronteiras agrícolas. O Greenpeace fez protestos em diversos momentos do ano, para chamaram a atenção da sociedade para a manobra política articulada por Aldo e sua patota.
Na internet, a sociedade se posicionava claramente contra o texto. No Twitter, centenas de pessoas discutiam a questão. Milhares assinavam uma petição do Greenpeace contra a mudança do Código Florestal. A repercussão foi grande, mas os deputados ruralistas mantiveram seus planos e aprovaram o texto de Aldo.
Atraso no campo
Os problemas do campo não residem na legislação ambiental. Os reais problemas residem na falta de infraestrutura e logística para escoamento da produção; na tecnologia na produção defasada; no pouco crédito e na inexistência de políticas públicas destinadas ao aumento da produtividade; na precariedade da regularização fundiária e na insegurança do produtor, que sofre com oscilações dos preços das commodities nos mercados por conta de especulação.
Todos esses problemas são transformados pelos ruralistas em um falso debate, de que apenas uma lei – o Código Florestal – atrapalha a todos. O processo torto levou a produtores rurais não cadastraram suas terras nos sistemas estaduais – quando precisam detalhar seus ativos e passivos ambientais – na esperança de se “beneficiarem” com as alterações propostas pelo projeto de lei. Hoje continuam vulneráveis à legislação, por terem apostado no canto da sereia ruralista.
O discurso da bancada da motosserra ainda coloca em risco a credibilidade do Brasil no cenário internacional. O governo assumiu compromissos de redução de emissões de gases-estufa e o mercado consumidor internacional que não aceita mais produtos que tenham origem a partir de áreas desmatadas. Enfraquecer a legislação ambiental coloca em xeque a credibilidade do país.
O primeiro ano do governo da presidente eleita Dilma Rousseff promete. O Código Florestal voltará às rodas de discussão. Ela, nas vésperas das eleições presidenciais, se comprometeu a proteger as florestas. 2011 será o ano da cobrança.
É preciso ouvir a sociedade. A saída não pode ser a de servir os interesses de apenas o setor ruralista, que vive de se reeleger e se financiar da existência do problema.
A discussão tem de ser muito mais ampla, pois é o futuro do país que está em jogo. Do jeito que é feito hoje, todos perdem: o ambiente, a imagem do país e a economia brasileira. Segurar a sanha da motosserra e manter as florestas saudáveis são sem dúvida um dos primeiros e mais urgentes desafios de Dilma no começo do seu governo.