A ASPAN foi convidada para fazer parte do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai, conforme correspondência a baixo:
RESPOSTA DA ASPAN
REF. CIRC.GAB.01/06/2010 São Borja, 12 de abril de 2010.
Procedimento nº 1.29.011.000077/2004-19
Excelentíssimo Sr. Procurador da República,
Em atenção à correspondência acima referida em que é solicitada a manifestação da ASPAN sobre a participação no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai, a diretoria da entidade, reunida em 10/04/2010, decidiu não fazer parte do Comitê, pelas razões seguintes:
1) A entidade já vem desenvolvendo projetos e atividades que de alguma forma se inserem na tentativa de preservação do Rio Uruguai e da sua bacia. A ASPAN já participa do Comitê de Gerenciamento da Bacia dos Rios Butuí e Icamaquã.
2) A participação em mais um comitê exige recursos para deslocamento, estadia e tempo que a entidade e seus membros não dispõem para alavancar uma representação que seria meramente figurativa, sem poder de fato para mudar certos procedimentos dos poderes constituídos. Em outras palavras, o enfoque oficial nunca foi o da preservação ambiental, apesar de toda a retórica em torno do assunto. A Bacia do Rio Uruguai não é apenas o Rio em si, mas o conjunto de todos os ecossistemas, o somatório de micro e macro-bacias. Uma simples vertente, um banhado, a mata ciliar remanescente, a questão dos esgotos e resíduos sólidos, a impermeabilização do solo, os agrotóxicos e a expansão desenfreada das cidades se relacionam à preservação do Rio Uruguai.
3) Desde a sua fundação, um grupo de voluntários, sem compensações financeiras, desenvolveu esforços em atividades de educação ambiental, pequenos projetos de reposição florestal e posicionamento em relação a várias questões ambientais na comunidade e região. Já antes, em 1977, foi desenvolvido por este signatário, o Projeto Plante Uma Vida, Plante Uma Árvore, iniciativa pessoal, sem um único centavo de recurso público e que de certa maneira deu origem à própria ASPAN. Achava-se que a criação de uma ONG ambientalista resultaria em maior força de representação junto às autoridades, aí incluídos o Executivo, Judiciário e até o Ministério Público Federal e Estadual. A ASPAN foi, de fato, decisiva em algumas ações que impediram o agravamento da degradação ambiental em casos específicos. No aspecto mais regional, a entidade elencou algumas prioridades. Engajou-se na defesa da implantação da Reserva Biológica de São Donato, criada pelo decreto estadual nº 23.798, em 12/03/1975 e deixada à sanha de grileiros, da caça e desmatamento criminosos. Foram anos de mobilização, viagens, enfrentamentos, até que em 1997, a entidade impetrou ação contra o Estado do Rio Grande do Sul, exigindo a implantação, de fato, dessa unidade de conservação. A decisão corajosa da Juíza Drª Rosmari Girardi e a confirmação da sentença pelo Tribunal de Justiça, condenando o Estado, não foram garantia, até hoje, da implantação efetiva da Reserva Biológica de São Donato. O pouco que resta dessa UC talvez permita a recuperação de boa parte do ecossistema degradado, mas levará anos para tal e a um custo maior ainda.
4) Outra questão que se revelou crucial é o uso abusivo de agrotóxicos e da aviação agrícola. Ao longo dos anos, a entidade recebeu relatos de centenas de pessoas prejudicadas pelas derivas dos agrotóxicos. Foram anos de vistorias em pequenas e grandes propriedades, constatando-se perdas de lavouras de subsistência, dificuldade na diversificação de culturas e muitos prejuízos ao meio ambiente. O interesse difuso da sociedade estava ali caracterizado. A ASPAN, além de orientar pessoas atingidas por essa agressão ambiental, encaminhou abaixo-assinado ao MPE, solicitando que o assunto fosse objeto de audiência pública, até agora não realizada. Também havia a questão envolvendo o registro de alguns agrotóxicos, cujas características não permitem o uso seguro. É o caso do Clomazone, herbicida usado na cultura do arroz, fumo, cana-de-açúcar, entre outras. O nome comercial mais conhecido na região é Gamit ou Gamit 360 CS. Deste fato o MPF recebeu expediente, tendo sido aberto procedimento de nº 1.29.011.000007/2009-75. A ASPAN propôs e ainda propõe a suspensão dos registros dos produtos que contenham princípio ativo Clomazone, junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Da forma como está, o registro apenas legaliza a degradação ambiental que o Clomazone está causando na biota. De estranhar que o IBAMA não tome nenhuma iniciativa própria para pelo menos vistoriar a zona rural e constatar o que está ocorrendo. Afinal, o IBAMA tem que receber manifestação de alguma ONG para agir? A questão dos agrotóxicos na Bacia do Rio Uruguai é dramática. E envolve muitos interesses, especialmente de algumas empresas, grandes revendas e a aviação agrícola. Sempre passaram a idéia à opinião pública que há rigorosos critérios para o registro de tais produtos, quando na verdade apresentam os dados de pesquisa que lhes interessam, omitindo outras informações. A aviação agrícola, atividade com a qual tive estreito contato por dois anos, é a maior poluidora e causadora de deriva. Só o MAPA, a quem compete fiscalização, não percebe as irregularidades que envolvem esse setor. No papel simulam uma observância das normas operacionais, mas no campo a realidade é outra, porque o interesse do lucro não respeita o meio ambiente. Apregoam os seus arautos que os pilotos fazem cursos específicos na área ambiental, mas a atividade por si só é poluidora quando usa qualquer agrotóxico. Para se ter uma idéia, na aplicação de agrotóxico numa área de cem hectares, outra área de mesmo tamanho ou mais, no entorno, é sobrevoada pelo avião agrícola. O recolhimento das embalagens dos agrotóxicos é tido como a solução do problema. Este é o lado fácil da questão. Resolve-se o problema de um por cento de agrotóxico que fica como resíduo nas embalagens e esquece-se dos noventa e nove por cento que são jogados no ambiente nas aplicações. Só nas aplicações aéreas, estima-se que um quarto do produto não cai na área alvo, mesmo em condições meteorológicas normais. As gotas finas são levadas a centenas de metros ou a quilômetros de distância. Mas a mentira propalada pelo setor da aviação agrícola é endossada por certas autoridades que alegam fiscalização rigorosa. No caso específico do Gamit, a registrante FMC alegou que o problema era de mau uso do produto. No entanto, a própria empresa patrocinou um painel junto com uma revendedora local, sugerindo o uso de Permit na semente de arroz, que fica mais resistente a doses maiores de Gamit. Essas doses maiores estão em desacordo com aquelas autorizadas pelo próprio MAPA e publicadas no site oficial AGROFIT. Isso mostra que não há nenhuma fiscalização eficiente e o MPF recebeu esta e outras denúncias no expediente enviado pela ASPAN. A entidade, ao encaminhar expediente ao MPF, entendia que seria possível uma vistoria na região, por parte do IBAMA e do MAPA. No campo poderiam ser checados os efeitos das derivas de herbicidas sobre a flora. Para o desapontamento dos associados, parece que nada mudou. O MPF declinou da questão alegando problemas operacionais e enviou a matéria à alçada do MPE.
Diante do exposto, faz sentido que os associados da ASPAN, a maioria pessoas simples que lutam pela própria sobrevivência, sintam-se decepcionados com a burocracia do Estado, esta sim a maior responsável pela degradação ambiental. A falta de vontade política nessa área não é de hoje. A legislação conquistada por gerações de ambientalistas é aplicada quando convém. Mas nem por isso a ASPAN deixará de atuar na conscientização da sociedade e de apontar alternativas sustentáveis de desenvolvimento. Parte dessa história e dessas ações Vossa Excelência poderá conferir nos blogs http://darcibergmann.blogspot.com e http://aspanrs.blogspot.com
Atenciosamente.
Darci Bergmann
Presidente
Excelentíssimo Procurador da República Dr. Ivan Cláudio Marx
Ministério Público Federal
Rua 15 de Novembro, nº 1998, Uruguaiana-RS